O jornalista e escritor Alvaro Bourscheidt emocionado ao ler os comentários
Naqueles dias, o rádio era nossa única possibilidade de conexão com o mundo que sabíamos existir além do alcance do olhar. Ainda lembro o dia em que papai trouxe o aparelho para casa, depois de comprá-lo na venda da localidade interiorana. Era do tipo “caixa de abelha”, em tons de rosa e verde, e que ele instalou, em posição de destaque, sobre uma tabuleta afixada na parede da cozinha para que todos pudessem escutar. Ali, ouvíamos a programação de várias emissoras, mas, logicamente, que sempre com preferência para a Radio Independente, por trazer as informações do município e da região.
Ouvir o Show de Notícias do Meio-Dia, durante o almoço, era quase religioso, e eu conhecia todo o andamento do programa, a ponto de decorar a ordem dos comerciais, que eram lidos ao vivo pelos locutores. Os nomes deles também sabia um por um, mas sempre me chamava mais a atenção o Lauro Mathias Müller, cujo timbre de voz soava de forma agradável aos meus ouvidos de menino. Recordo que, no início, nem conseguia entender e pronunciar direito o nome do espaço que ele ocupava para dar suas opiniões. Saía algo do tipo “Comentário do Prente”, totalmente sem nexo, mas que servia para ilustrar nossas brincadeiras de infância, quando eu imaginava ser um locutor que nem ele.
Lembro que falava com desenvoltura e propriedade sobre os mais diversos temas e, muitas vezes, abria espaço para que os ouvintes também se manifestassem, nas suas conhecidas miscelâneas. Foi assim que, já mais crescido e ingressando no então segundo grau, encorajei-me a participar também, escrevendo sobre algo que julgava importante para o lugar em que vivíamos. A Prefeitura de Lajeado havia, enfim, providenciado a abertura de uma estrada para a localidade, atendendo uma antiga reivindicação dos moradores, e eu achei por bem agradecer ao prefeito da época (Darci José Corbellini) pela iniciativa. Foi com indisfarçável orgulho que, dias depois, ouvi o Lauro pronunciar meu nome no rádio e ler a carta que eu havia enviado, comentando, por sua conta, que, além das críticas e cobranças, o então governo municipal também recebia elogios da comunidade.
Quis o destino que tivesse de me afastar de Lajeado para cuidar de meus estudos e da profissão, mas jamais perdi o contato com a terra natal, onde até hoje permanece a maior parte da família. E sucedeu assim que, numa das recentes visitas, fui surpreendido pela minha irmã Dirce com algo que jamais pensei deparar algum dia – um privilégio que me concedeu graças à sua participação neste livro alusivo aos 60 anos da Rádio Independente. Ela colocou em minhas mãos alguns originais dos textos que o Lauro escreveu e levou ao ar lá pelos idos do final da década de 60 e começo dos anos 70, exatamente a época em que passava minha infância no interior de Lajeado. Para mim, foi como uma daquelas cenas de filme em que um personagem se vê, inesperadamente, fazendo uma viagem ao passado e reencontra pessoas e objetos com os quais teve contato em alguma outra época.
Ao folhear os papeis amarelados, tive de segurar a emoção. E, numa rápida leitura, vários aspectos logo saltaram aos olhos. Não a qualidade dos textos, que há muito já conhecia, mas a imediata percepção de que boa parte dos temas abordados pelo Lauro, três décadas atrás, permanecem incrivelmente atuais, numa demonstração de que determinadas situações realmente nunca mudam – e também da visão acurada e de toda a sensibilidade que ele tinha para identificar a relevância dos acontecimentos políticos, econômicos, sociais e culturais de seu tempo.
De outra parte, segurando agora aqueles escritos, não tive como deixar de me surpreender com a forma escorreita como o Lauro redigia, praticamente sem cometer erros, numa época em que ainda não se dispunha do “delete” no teclado, nem das opções de colar, copiar ou recortar partes para ajustar o texto ou fazer correções. Ideias que fluíam límpidas, claras, com coesão e coerência naturais, confirmando para mim toda a maestria do autor no manejo das palavras e na condução lógica dos pensamentos.
Como já disse, me senti um privilegiado por esse momento que pude viver – embora toda sua fugacidade. Assim como também é breve nossa existência, da qual realmente só vai importar, depois de nossa partida, aquilo com o que tivermos contribuído para melhorar o mundo. Algo no que Lauro Mathias Müller fez de sobra durante sua inesquecível estada entre nós.
Alvaro Aloísio Bourscheidt - Jornalista, coordenador de comunicação social da Prefeitura Municipal de Parobé e presidente da Academia Lítero-Cultural Taquarense de Taquara-RS -
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